29 de set. de 2008

A democratização do luxo.

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Setembro/Outubro 2008.
Ele é um dos mais conhecidos e respeitados filósofos da atualidade. Estudou filosofia na Sorbonne, foi ativista dos movimentos que culminaram em maio de 68, publicou livros, ajudou a reformar o ensino de filosofia na França e é professor na Universidade de Grenoble. O francês Gilles Lipovetsky acompanhou as mudanças da sociedade e estuda temas contemporâneos como publicidade, lazer, consumo, moda e luxo. Polêmico, já criticou a Daslu, mas apóia um luxo inteligente, um luxo democratizado.
Por Viviane Lopes
Com colaboração e tradução de Marie-Océane Gazurek

Ao contrário do que muitos acreditam, Gilles Lipovetsky não condena o luxo. Ele busca entendê-lo como fenômeno contemporâneo. Lipovetsky esteve no Brasil em agosto, para o Com:atitude 2008, um seminário sobre atitude de marca. Em entrevista exclusiva à L'uomo Brasil, falou sobre consumo, mudanças do consumidor, luxo e suas motivações para estudar o assunto.
FASCÍNIO: O mundo no qual vivemos fez do luxo um fenômeno considerável. O desenvolvimento das marcas de luxo no mundo inteiro, o espaço que elas tomaram, tudo isso me fascina e por isso tenho interesse intelectual em entender o que está acontecendo.
LUXO: Nos anos 60, os jovens da contracultura consideravam o luxo uma aspiração burguesa. Hoje o cenário é muito diferente: jovens de 12, 13 anos, pedem o luxo, as meninas querem uma bolsa Dior, um batom. Isso traduz uma mudança em relação ao consumo e à moda. A nova relação com o luxo, de alguma maneira, é sinal do fim da cultura da contestação.
HEDONISMO: O que era dominante na sociedade de consumo clássica, do pós-guerra, era uma lógica de consumo semicoletiva, fundada no equipamento, o lazer, a família. Essa sociedade dos anos 1950 acabou. Uma nova sociedade de consumo estabeleceu-se. Estamos em um novo estado do capitalismo de consumo, que eu chamo de "sociedade de hiperconsumo" e o consumidor que vive nesta sociedade é um 'hiperconsumidor'". As famílias que antes tinham um carro, uma televisão, mudaram. Hoje, o consumo é cada vez mais focado no indivíduo e, consequentemente, as famílias tem mais carros, eletrônicos, telefones. A sociedade de consumo clássico favoreceu o individualismo pelo hedonismo.
CULTO ÀS MARCAS: Grandes marcas como Dior, Louis Vuitton, Calvin Klein, são poderosas e substituíram um papel importante de agregação. As hipermarcas são conhecidas em todos os continentes e além do marketing tem outro elemento a seu favor: a insegurança do consumidor. As pessoas eram criadas em meios sociais muito claros. Hoje todo mundo está perdido, não há mais culturas coletivas. A marca tem aí o seu papel, ela traz segurança ao hiperconsumidor perdido na hiperescolha da mercadoria. Quando a moda não tem mais sentido como outrora, a marca reconforta o consumidor. Hoje há um verdadeiro culto às marcas.

O new luxury é uma contradição, pois o luxo nunca foi para a massa! O que vira o luxo quando é para a massa? Hoje, por exemplo, os americanos falam de new luxury, que Starbucks é new luxury! Para um francês, isto não é possível!

NEW LUXURY: O aumento do consumo de luxo impressiona. O número de pobres é considerável, mas o número de gente rica, e muito rica, está ficando cada vez maior. São milhões de pessoas que tem fortunas consideráveis. De um lado você tem o aumento do que se chama o hyperluxo, os barcos, os helicópteros. De outro, um tipo de new luxury, ou o luxo para todo mundo. Você vai à uma loja Louis Vuitton e tem coisas que não são caras demais, umas eaux de toilette.
TOTAL LOOK: As decisões de compra dependem menos de critérios de classe do que de idade, sexo, critérios pessoais e eclécticos. Hoje se fazem compras caras em um lugar e econômicas em outro. Uma mulher de manhã compra uma camiseta na Zara e de tarde uma bolsa na Gucci, é o fim do total look. É até chique comprar coisas que não são do mesmo nível econômico, pois assim mostra que se é um consumidor inteligente.
LUXO NO BRASIL: As diferenças culturais são grandes. O consumidor europeu é mais emocional, experiencial, hedonista. Já no Brasil, Gilles acredita: “que ainda tem um consumo ostentatório. Na China, a lógica é totalmente ostentatória. Afinal, estes são países que estão saindo da pobreza.
DASLU: Não sou um moralista. O luxo tem algo de chocante. Tanta riqueza do lado de gente que não tem nada, isto é chocante com certeza. Mas há tantas coisas chocantes! A partir do momento em que há riqueza, tem gente que gasta dinheiro, isto não é o problema. Mas acho que estas lojas podem trazer alguma coisa. Não sou contra as lojas de luxo. Acredito que exista uma elegância.
LUXO INTEGRADO: Em Paris não é chocante. Voce vai ao Boulevard St. Germain, Avenue Montaigne, e tudo está integrado em um quadro. Mas inserir um universo de luxo em um universo de extrema pobreza, acho que é esteticamente de mau gosto. O verdadeiro gosto seria fazer como os romanos, ter um luxo público, transformar os arredores, plantar árvores. O luxo não deveria ser simplesmente para o consumo particular, poderia ser, e podemos sonhar com isto, uma tomada em consideração ao espaço público. Não se trata de dar o luxo para às pessoas, mas simplesmente para que o luxo não apareça como um universo de egoísmo absoluto.
SUSTENTABILIDADE: Cada vez mais se observa consumidores que compram produtos éticos, solidários. Ecologia, desenvolvimento sustentável e respeito ao meio ambiente, parecem sensibilizar um número crescente de consumidores. O consumidor de hoje é informado, tem medo do futuro e faz do seu consumo uma questão de referência social. Quando a política e a religião são menos produtoras de identidade, o consumo pode assumir este papel para um certo número de pessoas. Devemos parar de diabolizar o mundo do consumo, que tem muitos defeitos, mas que não aboliu felizmente o altruísmo, a moral e a indignação.

Para saber mais
O Luxo Eterno: Da Idade do Sagrado ao Tempo das Marcas - Gilles Lipovetsky

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