8 de fev. de 2008

Navegar é preciso, trabalhar também.

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Jan/Fev 2008.

Vai começar mais um dia de trabalho. Duas coisas são essenciais: o celular e o laptop. Com a tecnologia nas mãos, agora é só vestir uma bermuda e uma camiseta e pronto. Estranhou o clima e a roupa descontraída? Não se surpreenda. Atualmente, esta é a realidade de muitos empresários, e agora poderá ser a sua.

Por Bianca Moretto e Viviane Lopes

Paulo Veloso é um dos felizardos que já pode optar entre trabalhar contemplando o céu e o mar ou permanecer na selva de pedra. A primeira, e muito mais agradável, opção está cada vez mais constante na sua vida. Um dos sócios da empresa Regatta, Paulo convive diariamente com a rotina dos barcos como empresário, mas há algum tempo uniu o útil ao agradável e num veleiro viaja e realiza muitos dos seus negócios “como se estivesse na minha própria mesa, mas a bordo”, diz. Ele e mais dois amigos arrendaram um veleiro 76 pés e percorrem diversos locais da imensa costa marinha brasileira e também do exterior.
Neste veleiro a viagem não se limita apenas ao prazer de viajar, conhecer ou rever grandes lugares, mas também a manter-se ligado com o que acontece no trabalho. A bordo, Paulo fecha negócios, contata pessoas, fala com seu escritório, envia e recebe e-mails importantes e decide novos rumos para a sua empresa. Paulo já percorreu cidades como Ilha Bela, Paraty, Angra dos Reis, Bahia, Natal e muitos outros lugares. Ele passou as festas de final de ano no Caribe e diz que o barco-escritório hoje “não é uma tendência, é realidade.”
Por opção as suas viagens são constantes e curtas, duram em média 1 mês ou 20 dias, mas a tecnologia oferecida a bordo deste veleiro e de praticamente todos os outros barcos atuais, poderia durar meses ou até mesmo ser uma opção definitiva de trabalho.

O empresário Silvio dos Passos no seu barco-escritório, o Matajusi.

MATAJUSI
Prova viva é o empresário Silvio dos Passos Ramos, presidente da Harte-Hanks do Brasil. Aos 59 anos, Silvio conseguiu colocar em prática o Projeto Matajusi. Este é o nome do seu barco-escritório, um RO 400 que foi "modificado para ter mais autonomia e segurança em travessias oceânicas e possui todos os tipos disponíveis de meios de comunicação", conta. O Matajusi tem rádios VHF e SSB, notebooks e handhelds com capacidade de acesso a redes wireless (802.11 WLAN) e GSM. A única coisa que falta, e está sendo providenciada, é a comunicação via satélite, mas isso não é empecilho para o trabalho.
O mais importante é o acesso à internet, pois com ela ocorre a comunicação entre barco e escritório central. Para não ficar sem conexão, o Matajusi tem vários níveis de comunicação, dependendo do lugar e da disponibilidade de conexões. Dentro do barco há rede wireless para logar na Internet, a segunda opção é a rede GSM, quando tem alcance o celular. Silvio também usa um notebook ou uma HP 6945 para se comunicar. Em terra, um internet café, ou mesmo redes wireless ou GSM resolvem o problema. Quando no mar as redes ficam indisponíveis, a opção é o rádio SSB para mandar e receber emails.
O Projeto nasceu da vontade de novas experiências, de viajar ao redor do mundo e conhecer lugares paradisíacos. Mas isso precisava acontecer sem deixar de produzir e ganhar, e um barco-escritório foi a solução. Comprado entre 2006 e 2007, o trabalho ininterrupto para prepará-lo tem sido grande, mas Silvio garante que a recompensa "é o reconhecimento e o fato de estar dando certo a idéia de que se pode trabalhar a bordo de um veleiro-escritório."
A rotina de trabalho é tranqüila de qualquer lugar por onde Silvio navega. Os únicos inconvenientes são encontrar tempo hábil no barco para fazer as conexões, porque como ele conta, "se estivermos com dificuldades na navegação, como áreas perigosas, tempo ruim, e outras razões mais, não podemos estar concentrados nas comunicações. Mas quando temos tempo disponível, podemos fazer qualquer tipo de trabalho que fazemos hoje de casa, ou mesmo de outro escritório da empresa. Minha rotina de trabalho consiste em verificar meus e-mails algumas vezes por dia e trabalhar principalmente a noite."
Em terra, uma assistente transmite o que acontece na empresa e fica atenta a possíveis conflitos, guerras, fenômenos naturais e outras ameaças.
Silvio passou os últimos 3 meses em Santa Catarina, na Baía de São Francisco, e para o futuro a idéia é aprimorar a técnica de trabalho a bordo e dar a volta ao mundo saindo para o Canal do Panamá no final de 2008. Neste momento, Silvio e a sua companheira de navegação, Lilian Monteiro que trabalha no RH e com quem está criando uma empresa de head-hunting, estão percorrendo a costa Norte do Brasil.
Outra idéia é "mudar com o barco-escritório para outros países na América do Sul, para abrir novos escritórios nesses países." Os únicos temores quanto a navegar são típicos do meio de transporte, como bater em um bando de baleias a noite, ou ser atacado por elas, enfrentar ondas gigantes ou tempestades muito fortes. Nesses casos, a única preocupação é com a sobrevivência do barco e seus tripulantes.
Risco à parte, que sempre existe em qualquer lugar, Silvio confirma que a única inconveniência é "quando não conseguimos conectar por alguma razão. Já as vantagens são inúmeras, vida mais intensa, mais vivida, com mais experiências, mais exposições a bons momentos, lugares paradisíacos, povos amigáveis, outras culturas. Enfim, uma vida muito mais sadia."

Felipe Whitaker fazendo planejamento da rota para a navegação.

OUTRAS PROFISSÕES
Tanta tecnologia não beneficia apenas os empresários. O velejador Felipe Whitaker, junto com Beto Pandiani, manteve contato praticamente diário com o Brasil e o mundo enquanto concluía a última etapa do projeto Rota Boreal. O objetivo era percorrer o trecho entre Nova Iorque e Groenlândia.
O barco, um catamarã EagleCat 21 pés, construído em carbono, foi apelidado de Jangada High-Tech. Além da construção sofisticada, era equipado com GPS, E-track (para localização via satélite), telefones satelitais, VHFs, celulares, placas de bateria solar, notebook, câmeras de video e fotos digitais e à prova d'água.
O conjunto tecnológico os mantinha conectados e o único problema eram as pilhas, que obviamente não são encontradas com facilidade no Pólo Norte. A solução foram painéis solares que mantinham toda a aparelhagem eletrônica ativa. Um alerta de Felipe é que "água salgada e componentes eletrônicos não se entendem bem, portanto é preciso saber manusear corretamente os gadgets para utilizá-los e preservá-los".
A tecnologia, impensável há poucos anos, hoje é vasta e acessível. O experiente velejador pretende embarcar em uma nova aventura até 2010, escalar o Kilimanjaro, na África. Ele, que atualmente usa um veleiro HPE25 e um bote SR15, ambos equipados, dá uma dica: "Estar conectado é questão de sobrevivência no mercado. Fundamental para um escritório é a conexão de internet que pode ser via satélite. Se você for um navegador de longo curso e navega distante da costa, use um celular satelital (GlobalStar). Já se você for um navegador de final de semana, tenha sempre à mão um BlackBerry ou um Smartphone similar, um conector de força para isqueiro ou mesmo um painel solar portátil (de enrolar). Não são equipamentos difíceis de serem encontrados e podem salvar a sua pele, digo a sua carreira!"

INICIANTES
Para quem ainda não usa o barco como escritório, o primeiro passo é deixar o laptop em dia e com a conexão Wi-fi devidamente configurada. Tenha sempre à mão também o Blackberry e se possível, um telefone via satélite. Não há burocracia ou dificuldade de qualquer espécie e as opções tecnológicas são muitas, só é preciso conhecer cada uma delas para melhor aproveitar. Se durante a viagem precisar enviar algum documento ou assinatura, na primeira parada um serviço de entregas rápidas resolve a questão. Hoje em dia praticamente todos os barcos possuem os recursos necessários e quando não, o proprietário vai adaptando conforme a sua necessidade.

INTERNET
www.regatta.com.br
www.matajusi.com.br

O Descrescimento Sustentável

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Jan/Fev 2008.

Consumir para ter conforto e tranqüilidade. Resta saber até quando. O que estamos fazendo para que o crescimento econômico seja sustentável? O aquecimento global ganha destaque nas mídias porque deixou o campo das previsões e se tornou realidade, secando rios, destruindo geleiras, confundindo as quatro estações. No século XVIII Jean-Jacques Rousseau questionou o descomprometimento humano “Que ganham, se a própria tranqüilidade é uma de suas misérias? Também nas masmorras se vive em sossego, e é isso bastante para que lá nos achemos bem?”.
Por Bianca Moretto e Viviane Lopes.

“Dado que cada um pudesse a si mesmo alienar-se, não pode alienar seus filhos, que nascem homens e livres; sua liberdade lhes pertence, só eles têm direito de dispor dela”. A frase é do filósofo Rousseau que inspirou a Revolução Francesa. E foi na França que surgiu o Décroissance (decrescimento), que questiona o que sobrará para as próximas gerações. As conseqüências das escolhas do homem atual podem excluir o direito de, por exemplo, água potável para o homem de amanhã.
Os adeptos do Décroissance acreditam que se não pararmos hoje, de produzir desesperadamente, o mundo ficará inviável. “Devemos parar de produzir radicalmente. Parar com a indústria e com os avanços tecnológicos. Já temos produtos demais, carros demais. Não precisamos de mais quantidades e sim de mais qualidade”. A afirmativa está publicada no site do jornal La Décroissance do qual Bruno Clémentin é co-fundador. Ele conversou com a L'UOMO BRASIL por e-mail e disse que esta é uma maneira de começar a pensar sobre reduzir o consumo pessoal e coletivo daqueles que sobrecarregam a capacidade do planeta. Ele explica que não se trata de um movimento: “Décroissance se assemelha ao socialismo logo no início, e não há um líder nem mesmo um presidente”.
Ao todo, 18 mil cópias do jornal são vendidas mensalmente em bancas ou por assinatura. O número ainda é pequeno se considerarmos a população francesa, que gira em torno dos 63 milhões de habitantes. A estatística fica ainda menor quando se trata de aplicar a teoria na prática. “Se for preciso abrir mão do próprio carro, é possível contar o número de adeptos nos dedos das suas duas mãos”, ressalta Bruno.

VETOR DE DEBATES
Líderes políticos e grandes empresários como Nicolas Sarkosy, François Fillon e Jean-Louis Borloo, já declararam repetidamente em programas de rádio e TV que são contra o decrescimento. De fato não seria uma missão fácil puxar o freio da economia de um país, enquanto o mundo todo se preocupa em acelerar as atividades.
“Nós não somos mais inteligentes ou esclarecidos do que os outros. La Décroissance não conseguirá mudar o comportamento humano, ou a maneira como as pessoas agem e reagem, apenas com as palavras. A idéia é simples: quando você sobrecarrega a capacidade da Terra, você deve encontrar maneiras para aprender a continuar vivendo ao mesmo tempo em que reduz o consumo de energia”, diz Bruno.
O jornal La Décroissance entende ser um serviço desta causa, mas não pretende ser um depositário exclusivo. Ele é um vetor de debates e mobilizações para convencer os partidários sobre os impasses do “desenvolvimento sustentável”. Eles se intitulam humanistas, democratas e fiéis à ecologia e a questão social.
La Décroissance questiona, inclusive, o consumo de carne e citam o Relatório Unesco para o Fórum Mundial da Água, de 2004, que revelou quanta água limpa é usada em média, apenas para matar a sede de cada animal. Enquanto um boi consome 35 litros de água por dia e uma vaca leiteira 40, um favelado dos países pobres tem acesso a apenas 20 litros por dia, em média. Eles pedem o fim da produção de agrotóxicos e tem como adepto o José Bové, famoso pela campanha antiMcDonalds.
Uma outra maneira que encontraram para propagar este ideal foi em publicações de especialistas em sociologia, antropologia, economia, filosofia, como é o caso do famoso cientista social Paul Airès. Além disso, há conferências mundo a fora, a última foi no “Grenelle do Meio Ambiente” com a presença dos principais opositores de Sarkozy.
Maria Constança Peres Pissarra, professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica, fez pós-doutorado na França e nos ajudou a entender este ideal ainda tão desconhecido entre os especialistas brasileiros. Ela explica que esta é a idéia de uma nova utopia, uma nova terra de homens felizes com partilha.
"No renascimento o homem passou a dominar tudo o que precisava fazer – idéia de que a ciência poderia resolver todos os problemas, a auto-suficiência do homem. O conhecimento que dá a certeza de tudo o que ele quer fazer. A idéia do belo e perfeito. O único autor no século XVIII que escreveu os problemas do progresso foi Jean Jacques Rousseau. Enquanto todos comemoravam as 'maravilhas do novo mundo', a arte, ele entendeu que produzir a técnica faria com que apenas alguns a dominassem. A partir do momento em que o homem inventou a propriedade, deixamos de viver em igualdade. Após tanto desenvolvimento a Terra dá sinais de que temos limitações e o Décroissance volta no tempo para rechaçar o que é fundamental ao indivíduo. Este é um pensamento a longo prazo, com medidas imediatas. Eles acreditam ser possível e necessário a reconciliação do 'princípio responsabilidade' com o 'princípio esperança'”.

ECONOMIA DE COMUNHÃO
No Brasil um modelo inovador de economia sustentável surgiu há mais de uma década e já mostra resultados práticos nos cinco continentes. Trata-se da “cultura do dar”. Não é filantropia, mas sim, partilha, na qual cada um dá e recebe pelo seu trabalho com igual dignidade. Quando Chiara Lubich propôs a Economia de Comunhão, ela não tinha em mente uma teoria. Entretanto, esta italiana chamou a atenção de economistas, sociólogos, filósofos e estudiosos que lhe conferiram o grau de doutor honoris causa em Economia.
A Economia de Comunhão surgiu em maio de 1991 em São Paulo, durante um encontro de Chiara com a comunidade local dos Focolares, um movimento cristão, do qual ela é precursora, que surgiu após a segunda guerra mundial, no qual se sugere um novo modo de agir com base na partilha.
A pobreza estava presente entre alguns dos 250 mil membros do Movimento, e o que se partilhava com a comunhão de bens já não era o suficiente para manter a estrutura viva e funcional. Daí surgiu a idéia de aumentar a receita, com o surgimento de empresas confiadas a pessoas competentes, em condições de fazê-las funcionar com eficiência para obter lucros.
No entanto, parte dos lucros seria usada para incrementar a empresa; parte para ajudar pessoas necessitadas, dando-lhes a possibilidade de viver de modo mais digno à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes um emprego nessas empresas; e a última parte, para desenvolver estruturas visando a formação de homens e mulheres que motivassem a vida pela cultura do dar, “porque sem 'homens novos' não se faz uma sociedade nova”, explica Luigino Bruni no seu livro Economia de Comunhão – Uma cultura econômica em várias dimensões.
Das poucas empresas pioneiras que em 1991 aderiram à proposta de Chiara, hoje a Economia de Comunhão é uma realidade que engloba mais de setecentas empresas em todos os continentes. Há um espaço, cada vez maior, para debates sobre como conciliar vida econômica e crescimento humano.

A VALORIZAÇÃO DO HOMEM
No Brasil, 121 empresas com 1.098 funcionários já aderiram ao modelo econômico da Economia de Comunhão. Rodolfo Leibholz, é sócio da Femaq uma delas. E mais do que contas e vendas, obviamente necessárias, na verdade o que interessa à empresa, é o “estar bem” das pessoas ao seu redor (colegas, funcionários, clientes, pessoas necessitadas que às vezes nem conheçam e até mesmo os concorrentes) e algo não menos importante, a salvaguarda da própria motivação humana e espiritual. Em particular, há quem entreveja na categoria de “comunhão“ uma nova chave de leitura das relações sociais, que poderia contribuir para superar a postura individualista que hoje prevalece na ciência econômica.
Fundada em 1966, a Femaq é uma empresa que produz peças fundidas em ferro, aço e alumínio, cuja capacidade de produção chega a 30 toneladas de peso unitário, com um faturamento de 38 milhões de reais por ano. Além de atender clientes como Ford e GM, a companhia exporta para cinco países, entre eles, Estados Unidos e Alemanha.
“Sob o ponto de vista do lucro, da acumulação do capital, estávamos na direção certa. Sob o ponto de vista pessoal, passávamos por uma grande inquietação e até uma insatisfação”. "Em 1991, quando Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, lançou no Brasil o projeto Economia de Comunhão na liberdade, entendemos logo que era justamente aquele o modelo econômico que esperávamos”, conta Rodolfo, que viu o seu faturamento dobrar na última década.
Para se adequar ao projeto, a companhia deve ter resultados financeiros positivos, respeitar o meio ambiente, se integrar com a sociedade, priorizar a comunicação interna e externa, desenvolver um melhoramento contínuo através de pesquisa, ter harmonia e equilíbrio e ser fiel e comprometido com a missão da empresa. Com a Economia de Comunhão, Chiara tocou no ponto chave da cultura econômica, isto é, naquilo que se refere à visão do homem que age na economia, chamando pelos estudiosos como Homo economicus.

7 de fev. de 2008

Anne Sophie Pic, a mulher estrelada.

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Jan/Fev 2008.

Nos dias 4, 5 e 6 de dezembro, cerca de 90 pessoas por dia, investiram 350 reais para degustar do menu de seis tempos preparado pela Chef Anne Sophie Pic. O jantar aconteceu no restaurante francês Eau, localizado no Grand Hyatt São Paulo. Foi lá que a Chef autodidata, de 38 anos, falou com a exclusividade à L’uomo Brasil.

Por Viviane Lopes e Bianca Moretto
Com colaboração e tradução de Marie Oceane Borba

Em sua primeira passagem pelo Brasil, Anne se diz surpresa com o tamanho e as infinitas construções da cidade de São Paulo, “aqui você sente que chegou em um país latino, com seus lados bons e ruins.“
Ela ouviu de outros chefs franceses que “o Brasil é incrível porque tem uns produtos lindos“ e disse que antes de retornar ao seu país pretendia jantar com o reconhecido chef Alex Atala, com quem se encontrou na Espanha.
“Eu quero conhecer a comida dele. Alex cozinha somente com produtos brasileiros e isso é fabuloso! Eu gostaria também de conhecer as especiarias da Amazônia, as frutas brasileiras e degustas a comida temperada e picante do Nordente".
Apesar do encantamento com a nossa cultura, para o jantar oferecido no Hyatt, Anne quis reproduzir a sua cozinha. Para não correr riscos ela trouxe belas trufas, aproveitando que a temporada por lá acabou de começar. O cardápio começou com uma crême brulée de foie gras com maçã verde, depois vieiras com trufas e rum. Em seguida um barbo (peixe) caramelizado. O prato seguinte foi uma poularde, uma ave levemente perfumada ao iodo, com bulots (uma concha marinha comestível) e batatas. Para as sobremesas, duas opções: uma preparada com o chocolate do Val du Rhône, trazido da França e a outra feita de maçã e champanhe.
Natural da região francesa de Rhône-Alpes, Anne Sophie é filha e neta de chefs que em algum momento também receberam a classificação máxima do Michelin. Somente este ano, ela recebeu dois dos principais reconhecimentos que um chef pode almejar: três estrelas no Guia Michelin – a classificação máxima da “bíblia” da gastronomia – e o título de Chef do Ano 2007 na França, concedido por um conclave formado pelos principais chefs em atuação no país que é destino gastronômico número 1 do mundo.

CAMINHOS
Para conquistar este lugar, a caminhada foi longa e cheia de desafios. Anne intitula-se uma autodidata.
“Tenho um olhar muito humilde quanto ao meu começo de carreira porque, apesar do histórico familiar eu não sabia cozinhar e tudo foi complicado. Meu universo era somente o restaurante da minha família e precisei ir para muito longe para perceber o quanto eu sentia falta daquele que já era meu caminho. Não acredito em acaso na vida; acho que as coisas, se tiverem que acontecer, acontecem”.
Atualmente, Anne conta com a ajuda do marido que trabalha com ela. Esta foi a maneira que encontrou para dividir as funções entre a Maison PIC, o bistrô Le 7 e o hotel.
“Eu me organizei de tal maneira que hoje tenho uma equipe bastante homogênea. O que importa para mim não é estar presente no processo de A a Z, porque as pessoas fazem tão bem, ou melhor do que eu. O que realmente me importa é a criação dos pratos, e neste momento sempre estou com a minha equipe."
O restaurante, o bistrô e o hotel ficam na beira desta mítica, estrada que até 40 anos atrás era o único caminho de Paris para a Côte d'Azur.
“Queríamos ter esta ligação com o passado, mas estamos sempre com o pé no futuro. Agora temos um projeto que é muito importante para nós: a abertura da escola de cozinha, que vai se chamar Scook. Ela ficará a 100 metros do restaurante e terá um lugar de degustação e de arte floral. Eu vou dar aulas e a equipe será formada apenas por mulheres. Acho isso muito bom, já que o meio da culinária é muito masculino."
Apesar da predominância masculina, Anne Sophie acredita que na cozinha deve haver uma complementaridade entre homens e mulheres. Nos seus empreendimentos não há rivalidade. As mulheres são tão bem pagas quanto os homens.
“Se uma mulher for tão competente quanto um homem, ela subirá da mesma maneira e os outros aceitam isso. Eu tenho orgulho disso porque quando cheguei a este trabalho, não era exatamente assim”.
Anne era a filha do chef, não sabia cozinhar e é autodidata, motivos que geravam um ambiente hostil a sua volta, mas com a chegada dos prêmios ela adquiriu serenidade.
“Durante muito tempo me culpei por ser uma mulher neste meio. Graças a estas recompensas, tudo mudou. Eu posso focar hoje no que mais gosto e não tenho mais este sentimento. Quando o senhor Jean-Luc Naret, diretor geral do Guia Michelin, anunciou o Palmares deste ano, ele disse que esperava que a minha vitória suscitasse vocações. E eu também espero, pois sou a prova viva de que isso pode acontecer! Na França, não há muitos autodidatas, ainda é um meio cheio de regras. Não é especialmente negativo, mas o que tem de positivo na cena gastronômica francesa é uma grande diversidade, isso é que faz a sua riqueza. Quase toda a minha geração foi recompensada. Fomos todos recompensados ao mesmo tempo: Yannick Alleno, Pascal Barbot, Frederic Anton... e tem toda uma geração que está chegando. Eu acho a gastronomia francesa muito viva e audaciosa também. Hoje em dia há mais jovens abrindo seu próprio negócio do que em outras épocas”.
Anne Sophie evita definir a sua cozinha com o termo terroir: “Quando se vive numa região, gostamos de nossos produtos, mas meu pai trabalhava muito com crustáceos e peixes que não são especificamente da nossa região. Tento me afastar um pouco do termo terroir, mas a base da cozinha possui os mesmos os valores da cozinha do passado. Acho importante permanecer assim. As associações de sabores podem ser originais, mas tem toda uma parte clássica da cozinha que tem de continuar”.
Para o jantar do Hyatt a harmonização de vinhos da região Cotes du Rhône era feita pelo sommelier Denis Bertrand. Um detalhe que Anne considera muito importante.
“Hoje em dia gostaria de melhorar esta cultura em mim. Trabalho com excelentes sommeliers, que, muitas vezes provam os pratos que preparo. Recentemente, tive a oportunidade de fazer uma degustação com uma das minhas melhores amigas, Christine Vernay, que é do vinhedo do Condrieu. A gente provou um Condrieu com um fígado que eu tinha feito com pêssego.
Em outra vez, saboreamos uma moleja de vitela com cenoura e lavanda, junto com um Côte Rôtie foi uma bela associação, na qual o prato revelava o vinho e o vinho revelava o prato".
A chef disse ainda que tem interesse no trabalho de texturas e que no Japão – local onde esteve recentemente – descobriu o kuzu, um agente de ligação pouco conhecido na França.
"Eu sei muito bem que existem produtos que não vou poder importar para a França, porque são bons no país de origem, mas não mantém a qualidade quando chegam a outros lugares. Fora isso, descobri o mundo dos sushis... Temos de abrir um restaurante no Japão. É um sonho, mas a gente pode sonhar, não é?" – finalizou ela.