7 de fev. de 2008

Anne Sophie Pic, a mulher estrelada.

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Jan/Fev 2008.

Nos dias 4, 5 e 6 de dezembro, cerca de 90 pessoas por dia, investiram 350 reais para degustar do menu de seis tempos preparado pela Chef Anne Sophie Pic. O jantar aconteceu no restaurante francês Eau, localizado no Grand Hyatt São Paulo. Foi lá que a Chef autodidata, de 38 anos, falou com a exclusividade à L’uomo Brasil.

Por Viviane Lopes e Bianca Moretto
Com colaboração e tradução de Marie Oceane Borba

Em sua primeira passagem pelo Brasil, Anne se diz surpresa com o tamanho e as infinitas construções da cidade de São Paulo, “aqui você sente que chegou em um país latino, com seus lados bons e ruins.“
Ela ouviu de outros chefs franceses que “o Brasil é incrível porque tem uns produtos lindos“ e disse que antes de retornar ao seu país pretendia jantar com o reconhecido chef Alex Atala, com quem se encontrou na Espanha.
“Eu quero conhecer a comida dele. Alex cozinha somente com produtos brasileiros e isso é fabuloso! Eu gostaria também de conhecer as especiarias da Amazônia, as frutas brasileiras e degustas a comida temperada e picante do Nordente".
Apesar do encantamento com a nossa cultura, para o jantar oferecido no Hyatt, Anne quis reproduzir a sua cozinha. Para não correr riscos ela trouxe belas trufas, aproveitando que a temporada por lá acabou de começar. O cardápio começou com uma crême brulée de foie gras com maçã verde, depois vieiras com trufas e rum. Em seguida um barbo (peixe) caramelizado. O prato seguinte foi uma poularde, uma ave levemente perfumada ao iodo, com bulots (uma concha marinha comestível) e batatas. Para as sobremesas, duas opções: uma preparada com o chocolate do Val du Rhône, trazido da França e a outra feita de maçã e champanhe.
Natural da região francesa de Rhône-Alpes, Anne Sophie é filha e neta de chefs que em algum momento também receberam a classificação máxima do Michelin. Somente este ano, ela recebeu dois dos principais reconhecimentos que um chef pode almejar: três estrelas no Guia Michelin – a classificação máxima da “bíblia” da gastronomia – e o título de Chef do Ano 2007 na França, concedido por um conclave formado pelos principais chefs em atuação no país que é destino gastronômico número 1 do mundo.

CAMINHOS
Para conquistar este lugar, a caminhada foi longa e cheia de desafios. Anne intitula-se uma autodidata.
“Tenho um olhar muito humilde quanto ao meu começo de carreira porque, apesar do histórico familiar eu não sabia cozinhar e tudo foi complicado. Meu universo era somente o restaurante da minha família e precisei ir para muito longe para perceber o quanto eu sentia falta daquele que já era meu caminho. Não acredito em acaso na vida; acho que as coisas, se tiverem que acontecer, acontecem”.
Atualmente, Anne conta com a ajuda do marido que trabalha com ela. Esta foi a maneira que encontrou para dividir as funções entre a Maison PIC, o bistrô Le 7 e o hotel.
“Eu me organizei de tal maneira que hoje tenho uma equipe bastante homogênea. O que importa para mim não é estar presente no processo de A a Z, porque as pessoas fazem tão bem, ou melhor do que eu. O que realmente me importa é a criação dos pratos, e neste momento sempre estou com a minha equipe."
O restaurante, o bistrô e o hotel ficam na beira desta mítica, estrada que até 40 anos atrás era o único caminho de Paris para a Côte d'Azur.
“Queríamos ter esta ligação com o passado, mas estamos sempre com o pé no futuro. Agora temos um projeto que é muito importante para nós: a abertura da escola de cozinha, que vai se chamar Scook. Ela ficará a 100 metros do restaurante e terá um lugar de degustação e de arte floral. Eu vou dar aulas e a equipe será formada apenas por mulheres. Acho isso muito bom, já que o meio da culinária é muito masculino."
Apesar da predominância masculina, Anne Sophie acredita que na cozinha deve haver uma complementaridade entre homens e mulheres. Nos seus empreendimentos não há rivalidade. As mulheres são tão bem pagas quanto os homens.
“Se uma mulher for tão competente quanto um homem, ela subirá da mesma maneira e os outros aceitam isso. Eu tenho orgulho disso porque quando cheguei a este trabalho, não era exatamente assim”.
Anne era a filha do chef, não sabia cozinhar e é autodidata, motivos que geravam um ambiente hostil a sua volta, mas com a chegada dos prêmios ela adquiriu serenidade.
“Durante muito tempo me culpei por ser uma mulher neste meio. Graças a estas recompensas, tudo mudou. Eu posso focar hoje no que mais gosto e não tenho mais este sentimento. Quando o senhor Jean-Luc Naret, diretor geral do Guia Michelin, anunciou o Palmares deste ano, ele disse que esperava que a minha vitória suscitasse vocações. E eu também espero, pois sou a prova viva de que isso pode acontecer! Na França, não há muitos autodidatas, ainda é um meio cheio de regras. Não é especialmente negativo, mas o que tem de positivo na cena gastronômica francesa é uma grande diversidade, isso é que faz a sua riqueza. Quase toda a minha geração foi recompensada. Fomos todos recompensados ao mesmo tempo: Yannick Alleno, Pascal Barbot, Frederic Anton... e tem toda uma geração que está chegando. Eu acho a gastronomia francesa muito viva e audaciosa também. Hoje em dia há mais jovens abrindo seu próprio negócio do que em outras épocas”.
Anne Sophie evita definir a sua cozinha com o termo terroir: “Quando se vive numa região, gostamos de nossos produtos, mas meu pai trabalhava muito com crustáceos e peixes que não são especificamente da nossa região. Tento me afastar um pouco do termo terroir, mas a base da cozinha possui os mesmos os valores da cozinha do passado. Acho importante permanecer assim. As associações de sabores podem ser originais, mas tem toda uma parte clássica da cozinha que tem de continuar”.
Para o jantar do Hyatt a harmonização de vinhos da região Cotes du Rhône era feita pelo sommelier Denis Bertrand. Um detalhe que Anne considera muito importante.
“Hoje em dia gostaria de melhorar esta cultura em mim. Trabalho com excelentes sommeliers, que, muitas vezes provam os pratos que preparo. Recentemente, tive a oportunidade de fazer uma degustação com uma das minhas melhores amigas, Christine Vernay, que é do vinhedo do Condrieu. A gente provou um Condrieu com um fígado que eu tinha feito com pêssego.
Em outra vez, saboreamos uma moleja de vitela com cenoura e lavanda, junto com um Côte Rôtie foi uma bela associação, na qual o prato revelava o vinho e o vinho revelava o prato".
A chef disse ainda que tem interesse no trabalho de texturas e que no Japão – local onde esteve recentemente – descobriu o kuzu, um agente de ligação pouco conhecido na França.
"Eu sei muito bem que existem produtos que não vou poder importar para a França, porque são bons no país de origem, mas não mantém a qualidade quando chegam a outros lugares. Fora isso, descobri o mundo dos sushis... Temos de abrir um restaurante no Japão. É um sonho, mas a gente pode sonhar, não é?" – finalizou ela.

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