8 de fev. de 2008

O Descrescimento Sustentável

Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Jan/Fev 2008.

Consumir para ter conforto e tranqüilidade. Resta saber até quando. O que estamos fazendo para que o crescimento econômico seja sustentável? O aquecimento global ganha destaque nas mídias porque deixou o campo das previsões e se tornou realidade, secando rios, destruindo geleiras, confundindo as quatro estações. No século XVIII Jean-Jacques Rousseau questionou o descomprometimento humano “Que ganham, se a própria tranqüilidade é uma de suas misérias? Também nas masmorras se vive em sossego, e é isso bastante para que lá nos achemos bem?”.
Por Bianca Moretto e Viviane Lopes.

“Dado que cada um pudesse a si mesmo alienar-se, não pode alienar seus filhos, que nascem homens e livres; sua liberdade lhes pertence, só eles têm direito de dispor dela”. A frase é do filósofo Rousseau que inspirou a Revolução Francesa. E foi na França que surgiu o Décroissance (decrescimento), que questiona o que sobrará para as próximas gerações. As conseqüências das escolhas do homem atual podem excluir o direito de, por exemplo, água potável para o homem de amanhã.
Os adeptos do Décroissance acreditam que se não pararmos hoje, de produzir desesperadamente, o mundo ficará inviável. “Devemos parar de produzir radicalmente. Parar com a indústria e com os avanços tecnológicos. Já temos produtos demais, carros demais. Não precisamos de mais quantidades e sim de mais qualidade”. A afirmativa está publicada no site do jornal La Décroissance do qual Bruno Clémentin é co-fundador. Ele conversou com a L'UOMO BRASIL por e-mail e disse que esta é uma maneira de começar a pensar sobre reduzir o consumo pessoal e coletivo daqueles que sobrecarregam a capacidade do planeta. Ele explica que não se trata de um movimento: “Décroissance se assemelha ao socialismo logo no início, e não há um líder nem mesmo um presidente”.
Ao todo, 18 mil cópias do jornal são vendidas mensalmente em bancas ou por assinatura. O número ainda é pequeno se considerarmos a população francesa, que gira em torno dos 63 milhões de habitantes. A estatística fica ainda menor quando se trata de aplicar a teoria na prática. “Se for preciso abrir mão do próprio carro, é possível contar o número de adeptos nos dedos das suas duas mãos”, ressalta Bruno.

VETOR DE DEBATES
Líderes políticos e grandes empresários como Nicolas Sarkosy, François Fillon e Jean-Louis Borloo, já declararam repetidamente em programas de rádio e TV que são contra o decrescimento. De fato não seria uma missão fácil puxar o freio da economia de um país, enquanto o mundo todo se preocupa em acelerar as atividades.
“Nós não somos mais inteligentes ou esclarecidos do que os outros. La Décroissance não conseguirá mudar o comportamento humano, ou a maneira como as pessoas agem e reagem, apenas com as palavras. A idéia é simples: quando você sobrecarrega a capacidade da Terra, você deve encontrar maneiras para aprender a continuar vivendo ao mesmo tempo em que reduz o consumo de energia”, diz Bruno.
O jornal La Décroissance entende ser um serviço desta causa, mas não pretende ser um depositário exclusivo. Ele é um vetor de debates e mobilizações para convencer os partidários sobre os impasses do “desenvolvimento sustentável”. Eles se intitulam humanistas, democratas e fiéis à ecologia e a questão social.
La Décroissance questiona, inclusive, o consumo de carne e citam o Relatório Unesco para o Fórum Mundial da Água, de 2004, que revelou quanta água limpa é usada em média, apenas para matar a sede de cada animal. Enquanto um boi consome 35 litros de água por dia e uma vaca leiteira 40, um favelado dos países pobres tem acesso a apenas 20 litros por dia, em média. Eles pedem o fim da produção de agrotóxicos e tem como adepto o José Bové, famoso pela campanha antiMcDonalds.
Uma outra maneira que encontraram para propagar este ideal foi em publicações de especialistas em sociologia, antropologia, economia, filosofia, como é o caso do famoso cientista social Paul Airès. Além disso, há conferências mundo a fora, a última foi no “Grenelle do Meio Ambiente” com a presença dos principais opositores de Sarkozy.
Maria Constança Peres Pissarra, professora de filosofia da Pontifícia Universidade Católica, fez pós-doutorado na França e nos ajudou a entender este ideal ainda tão desconhecido entre os especialistas brasileiros. Ela explica que esta é a idéia de uma nova utopia, uma nova terra de homens felizes com partilha.
"No renascimento o homem passou a dominar tudo o que precisava fazer – idéia de que a ciência poderia resolver todos os problemas, a auto-suficiência do homem. O conhecimento que dá a certeza de tudo o que ele quer fazer. A idéia do belo e perfeito. O único autor no século XVIII que escreveu os problemas do progresso foi Jean Jacques Rousseau. Enquanto todos comemoravam as 'maravilhas do novo mundo', a arte, ele entendeu que produzir a técnica faria com que apenas alguns a dominassem. A partir do momento em que o homem inventou a propriedade, deixamos de viver em igualdade. Após tanto desenvolvimento a Terra dá sinais de que temos limitações e o Décroissance volta no tempo para rechaçar o que é fundamental ao indivíduo. Este é um pensamento a longo prazo, com medidas imediatas. Eles acreditam ser possível e necessário a reconciliação do 'princípio responsabilidade' com o 'princípio esperança'”.

ECONOMIA DE COMUNHÃO
No Brasil um modelo inovador de economia sustentável surgiu há mais de uma década e já mostra resultados práticos nos cinco continentes. Trata-se da “cultura do dar”. Não é filantropia, mas sim, partilha, na qual cada um dá e recebe pelo seu trabalho com igual dignidade. Quando Chiara Lubich propôs a Economia de Comunhão, ela não tinha em mente uma teoria. Entretanto, esta italiana chamou a atenção de economistas, sociólogos, filósofos e estudiosos que lhe conferiram o grau de doutor honoris causa em Economia.
A Economia de Comunhão surgiu em maio de 1991 em São Paulo, durante um encontro de Chiara com a comunidade local dos Focolares, um movimento cristão, do qual ela é precursora, que surgiu após a segunda guerra mundial, no qual se sugere um novo modo de agir com base na partilha.
A pobreza estava presente entre alguns dos 250 mil membros do Movimento, e o que se partilhava com a comunhão de bens já não era o suficiente para manter a estrutura viva e funcional. Daí surgiu a idéia de aumentar a receita, com o surgimento de empresas confiadas a pessoas competentes, em condições de fazê-las funcionar com eficiência para obter lucros.
No entanto, parte dos lucros seria usada para incrementar a empresa; parte para ajudar pessoas necessitadas, dando-lhes a possibilidade de viver de modo mais digno à espera de um trabalho, ou oferecendo-lhes um emprego nessas empresas; e a última parte, para desenvolver estruturas visando a formação de homens e mulheres que motivassem a vida pela cultura do dar, “porque sem 'homens novos' não se faz uma sociedade nova”, explica Luigino Bruni no seu livro Economia de Comunhão – Uma cultura econômica em várias dimensões.
Das poucas empresas pioneiras que em 1991 aderiram à proposta de Chiara, hoje a Economia de Comunhão é uma realidade que engloba mais de setecentas empresas em todos os continentes. Há um espaço, cada vez maior, para debates sobre como conciliar vida econômica e crescimento humano.

A VALORIZAÇÃO DO HOMEM
No Brasil, 121 empresas com 1.098 funcionários já aderiram ao modelo econômico da Economia de Comunhão. Rodolfo Leibholz, é sócio da Femaq uma delas. E mais do que contas e vendas, obviamente necessárias, na verdade o que interessa à empresa, é o “estar bem” das pessoas ao seu redor (colegas, funcionários, clientes, pessoas necessitadas que às vezes nem conheçam e até mesmo os concorrentes) e algo não menos importante, a salvaguarda da própria motivação humana e espiritual. Em particular, há quem entreveja na categoria de “comunhão“ uma nova chave de leitura das relações sociais, que poderia contribuir para superar a postura individualista que hoje prevalece na ciência econômica.
Fundada em 1966, a Femaq é uma empresa que produz peças fundidas em ferro, aço e alumínio, cuja capacidade de produção chega a 30 toneladas de peso unitário, com um faturamento de 38 milhões de reais por ano. Além de atender clientes como Ford e GM, a companhia exporta para cinco países, entre eles, Estados Unidos e Alemanha.
“Sob o ponto de vista do lucro, da acumulação do capital, estávamos na direção certa. Sob o ponto de vista pessoal, passávamos por uma grande inquietação e até uma insatisfação”. "Em 1991, quando Chiara Lubich, fundadora do Movimento dos Focolares, lançou no Brasil o projeto Economia de Comunhão na liberdade, entendemos logo que era justamente aquele o modelo econômico que esperávamos”, conta Rodolfo, que viu o seu faturamento dobrar na última década.
Para se adequar ao projeto, a companhia deve ter resultados financeiros positivos, respeitar o meio ambiente, se integrar com a sociedade, priorizar a comunicação interna e externa, desenvolver um melhoramento contínuo através de pesquisa, ter harmonia e equilíbrio e ser fiel e comprometido com a missão da empresa. Com a Economia de Comunhão, Chiara tocou no ponto chave da cultura econômica, isto é, naquilo que se refere à visão do homem que age na economia, chamando pelos estudiosos como Homo economicus.

Um comentário:

Anônimo disse...

Olás!
Estou fazendo uma pesquisa sobre o decrescimento (la décroissance) e não consigo encontrar o jornal no Brasil. Pelo que li no blog, vocês fizeram uma excelente pesquisa (quase não se encontra artigos ou comentários de qualidade sobre o tema).
Vocês têm idéia de como conseguir os exemplares do La Décroissance?
Se puderem, ficaria imensamente agradecida pela resposta. Meu e-mail é ana.badue@usp.br
Obrigada e parabéns pelo post.
Ana Flávia Bádue