Matéria publicada na Revista L'uomo Brasil Julho/Agosto 2008.
O menino que tinha medo de ouvir ópera cresceu e, por ironia do destino, se transformou em barítono. Depois de cantar em sessenta produções, nacionais e internacionais, Paulo Szot entra para a história como o primeiro brasileiro que conquistou um Tony Award, o principal prêmio do teatro americano. O mais novo darling dos palcos americanos agradeceu pelo prêmio em português e dedicou o troféu à sua mãe.
Por Bianca Moretto e Viviane Lopes
Filho de poloneses que migraram para o Brasil no pós-guerra, trazendo apenas a roupa do corpo e a paixão pela música e pelas artes, Szot tinha como brinquedo predileto na infância uma vitrola. “Eu ficava ouvindo música clássica e olhando as nuvens dançarem no céu. Sempre fui contemplativo, e continuo assim”. Incentivado pelos pais, Szot freqüentou a escola de música desde cedo.
Na adolescência, piano e violino já faziam parte da sua vida. Mas, foi aos dezoito anos que grandes mudanças começaram a acontecer. O Consulado polonês em São Paulo, estava oferecendo bolsas de estudos. Depois de ser reprovado no vestibular para medicina, Paulo se aventurou com um amigo de escola que tinha a mesma necessidade de conhecer o mundo.
“Embarcamos num navio cargueiro no porto de Vitória e após 23 dias estávamos em solo polonês. A Polônia comunista não era tão atraente para um adolescente de 18 anos. Foi difícil me acostumar, mas depois de alguns meses já havia descoberto um mundo que parecia impossível de existir.”
“O apoio às artes, música e dança era incrível! Logo conheci jovens que tinham os mesmos ideais e sentia que me identificava cada vez mais com o país e sua cultura. Apesar das dificuldades do dia-a-dia, a felicidade de encontrar um lugar onde eu poderia ser um “artista”, fazia desaparecer as diferenças que no princípio pareciam invencíveis. O Brasil não tem tradição em ópera, portanto, não temos uma escola brasileira de canto lírico. Para mim, foi indispensável ingressar no mercado internacional. Não existem regras, mas é sempre bom para o artista expandir seus conhecimentos para se tornar um profissional com diferentes experiências não só de trabalho, mas também de vida.”.
Depois de passar oito anos trabalhando como cantor na Polônia, Paulo percebeu que estava na hora de voltar para casa. Foi então que conheceu Luciano Pavarotti no Rio de Janeiro, durante as audições do renomado Concurso Internacional de Canto, um divisor de águas em sua vida. Szot foi à Filadélfia a convite do tenor para participar da Final Mundial em 2005.
“Foi o primeiro contato que tive com outros cantores da minha geração. Depois dessa experiência voltei ao Brasil, ingressei no Coral do Teatro Municipal de São Paulo, no qual, tive o prazer de conhecer o maestro Luís Fernando Malheiro. Foi ele quem ofereceu o meu primeiro papel-título”.
Paulo também foi dirigido por Gerald Thomas na pocket ópera NXW. Ele cantava um hit operístico escrito para um soprano, A morte de Isolda. "Funcionou muito bem. Eu gostei. A companhia era fantástica assim como o irreverente Gerald. Sinto saudades de todos!”.
Szot está há seis meses em cartaz no Lincoln Center, com South Pacific, onde ficará até o final do ano. Em entrevista exclusiva à L’UOMO BRASIL, ele disse: “A equipe é fantástica. Sempre muito educados e profissionais. Desde a primeira audição foram muito gentis e solícitos comigo. O Diretor de casting acertou na mosca! Não consigo imaginar um elenco mais bem entrosado do que este aqui”.
Depois da estréia não existem mais ensaios: “A concentração é total para os shows e todos chegam preparados para se apresentar 30 minutos antes do espetáculo. No Brasil é costume fazer aquecimento e vocalizes em conjunto antes do show. Aqui não existe nada disso. Cada um tem sua própria maneira de se preparar, eles respeitam e confiam nos profissionais que contratam. É assim que sempre deveria ser. Mais uma vez o Brasil deveria olhar para o centro dos musicais e adotar, ou melhor, dispensar métodos que só cansam o artista. É obrigação de cada artista se aperfeiçoar e para isso deve buscar professores na maioria das vezes fora do local de trabalho. É assim que funciona na ópera, e também aqui na Broadway”.
SEDUTOR SOLITÁRIO
Em South Pacific, onde Paulo interpreta o sedutor Emile de Becque, fazendeiro francês que mantém um romance com uma enfermeira americana (Kelli O'Hara), são oito shows por semana. Enquanto na ópera ele estava acostumado a fazer apenas três apresentações semanais. Mas as diferenças não param por aí. Na ópera os cantores nunca usam microfones e precisam estar muito descansados vocalmente para executar o papel. Segundo ele “a compreensão das diferenças entre os dois estilos é essencial para o sucesso”. Szot está arrancando suspiros da platéia, mas disse que não sobra tempo para a vida sentimental. “Não tenho tempo, procuro me manter em forma para agüentar a maratona dos oito shows por semana. Também gostaria de ter mais tempo para correr no Central Park”.
Depois de receber o prêmio das mãos de Lisa Minnelli e chamar a atenção da mídia em diversos continentes, Paulo está preparado para as mudanças que estão por vir. “De repente o mundo começa a enxergar quem você é. No meu caso venho cantando ópera durante 11 anos, cantei em mais de 60 produções em diferentes continentes, mas depois desse prêmio tudo toma outra dimensão. É bom ser reconhecido pelo trabalho de vários anos. Quero curtir muito esse momento”.
O público brasileiro vai ter que esperar para vê-lo por aqui. “Eu adoro me apresentar no Brasil, mas para o futuro próximo estarei aqui nos Estados Unidos e na Europa”.
Aos 38 anos, Paulo, não acredita que o momento plena satisfação exista. “Acho que provavelmente, para o artista, chega o momento onde ele percebe que já disse tudo aquilo que poderia dizer, então ele descansa. Eu penso no presente e em realizar tudo o que me propus a fazer da melhor forma possível, mas com certeza, esse novo caminho que estou percorrendo me mostrou que tenho muito ainda por descobrir e fico feliz em saber que existem muitas outras possibilidades."
Sergio Casoy faz parte de uma minoria que trabalha para registrar a presença deste estilo musical no Brasil. Em São Paulo, a partir de dezembro deste ano, Sergio e Heraldo Marin, que é diretor da Editora Algol, começarão a produzir um livro-cd. Nele, 25 dos melhores cantores brasileiros da cena lírica da atualidade, gravarão trechos de ópera que cantaram em palcos paulistanos.
“Antigamente, as vozes tinham o privilégio absoluto. Hoje, evidentemente, continuam sendo importantíssimas, mas tanto crítica quanto público atentam muito para detalhes da produção teatral, cenários, movimentação cênica. Outro aspecto, é que nunca vi, pelo menos no Brasil, tanta gente jovem, geração entre 20 e 30 anos, freqüentando o teatro lírico. Esse pessoal tem a cabeça mais aberta para qualquer tipo de repertório, aceita mais a ópera contemporânea cantada em quaisquer outros idiomas, pois hoje há legendas que permitem entender o que se está cantando”, explica Sergio.
Entre os destaques brasileiros, Sergio cita “o tenor lírico Fernando Portari; o soprano lírico Rosana Lamosa; o tenor lírico-spinto Marcello Vannucci; os mezzo-sopranos Denise de Freitas, Luciana Bueno e Adriana Clis; o soprano dramático Celine Imbert; o soprano lírico Claudia Riccitelli e o barítono Sebastião Teixeira.
“São apenas alguns dos muitos nomes importantes temos por aqui e que, evidentemente, não esgotam o assunto”, diz ele.
Sergio acompanha a carreira do barítono Paulo Szot, que momentaneamente deixou a ópera para brilhar na Broadway, desde que ele voltou da Polônia.
“Ele é um bom amigo, cheguei a apresentar alguns concertos com vários cantores dos quais ele fazia parte. Lembro-me muito bem de sua estréia em ópera completa na cidade de SP, num Barbeiro de Sevilha no Teatro Paulo Eiró, lá em Santo Amaro, sob direção cênica do grande cantor italiano Enzo Dara.
Sua primeira vez no palco do Municipal foi como Morales, personagem secundário na Carmen de Bizet, em 98; ele voltaria ao mesmo palco em 2002 na mesma ópera como Escamillo, o toureiro, agora uma das partes principais. A partir de uma Bohème do Teatro Alfa em novembro/dezembro de 98 com Portari e Lamosa, começou a ascensão de sua carreira, sempre em papéis principais.
Szot é sempre um cantor elegante, e um bom artista em cena, cuida muito do físico e se movimenta muito bem. Escolhe bem seus papéis sob o ponto de vista vocal, errou pouquíssimas vezes nesse aspecto. Críticas positivas, como as publicadas recentemente no NY Times, e o prêmio como melhor cantor de musicais da Broadway, em 2008, estimulam o cantor e chamam a atenção do mercado. Ainda mais quando o prêmio é merecido, como no caso do Paulo”, finaliza Sergio, que pesquisa música lírica há 35 anos.
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