30 de mai. de 2007

A Morte Anunciada do Criador.

Matéria publicada na Revista L'UOMO de Maio/Junho-2007.

Estamos nos aproximando do segundo semestre e até o final de 2007 alguns pensadores acreditam que algo inédito e totalmente sem precedentes na história acontecerá: Deus se tornará obsoleto. Toda essa confiança não é em vão, tem um motivo real chamado Large Hadron Collider (Grande Colisor de Hádrons) ou simplesmente acelerador de partículas. O objetivo desta máquina é reproduzir o momento do Big Bang e, dessa forma, desvendar a origem da matéria. Será que depois que a ciência explicar exatamente como surgiu o universo, Deus e a religiosidade ficarão totalmente desnecessários?
Por Bianca Moretto e Viviane Lopes.

A ciência está muito perto de explicar pela primeira vez como surgiu o universo. Essa resposta vem de encontro a antigas questões do ser humano como: De onde viemos? Como tudo começou? ou O que existia antes de nós?. Questões para as quais as religiões sempre tiveram uma explicação não científica. Por outro lado a ciência sempre trabalhou para obter explicações lógicas e agora está mais perto do que nunca de desvendar esses mistérios.
O LHC não é o primeiro acelerador de partículas construído no mundo, mas sem dúvida é o mais potente. Para se ter uma idéia da sua capacidade ele tem energias 20 vezes maiores do que o seu competidor mais próximo, o Tevatron do Fermi National Accelerator Laboratory, que fica perto de Chicago no EUA. Sua extensão de 27 quilômetros não se limita ao território do CERN (Conseil Européen pour la Recherche Nucléare – Centro Europeu de Física de Altas Energias), que está localizado na Suíça e é responsável pela sua construção, mas também passa por fazendas do país e da França. Construído no subsolo, o LHC faz parte de uma pesquisa financiada por um consórcio de países do mundo todo, em especial os membros da Comunidade Européia, os EUA, o Japão e até mesmo o Brasil. Quem leu a obra ilustrada “Anjos e Demônios”, do polêmico escritor americano Dan Brown, pôde visualizar o desenho da circunferência quilométrica da máquina cujo custo mensal até agora não foi divulgado para a imprensa.

O físico brasileiro Marcelo Gleiser.

O físico brasileiro Marcelo Gleiser é um dos mais de 3.000 profissionais envolvidos no trabalho que será experimentado até o final do ano, ainda sem data marcada. Em entrevista por à LUOMO BRASIL, Gleiser, que ganhou notoriedade com os livros A Dança do Universo, O Fim da Terra e do Céu e o quadro Poeira das Estrelas da TV Globo, explica que a sua participação é apenas teórica e que outros grupos de cientistas brasileiros estão participando e somando esforços para desvendar este mistério da humanidade. Sim, a máquina garante grandes avanços, “mas não existe risco de explosões nucleares ou de buracos negros que devorarão a Terra”, ironiza Marcelo diante do que sugere a obra de ficção de Dan Brown, em que a tal máquina dá origem a um produto utilizado pelo “vilão” para explodir o Vaticano.
Ele nos explica, com uma analogia, o funcionamento do LHC. “Como saber o que existe dentro de uma laranja sem poder cortá-la? Podemos jogar a laranja contra a parede ou colidir uma laranja noutra. Se a energia da colisão for alta o suficiente, voa semente, suco e bagaço para todos os lados. Com isso, vemos o que existe na laranja. Aceleradores fazem isso, mas com partículas que compõem o núcleo dos átomos: os prótons e nêutrons”.
A explicação esclarece bem o propósito da máquina, resta saber se os efeitos de tal experimento e as conclusões sobre a origem física do homem entrarão em conflito ou complementarão as crenças relacionadas ao espírito.

ESTARIAM CIÊNCIA E RELIGIÃO EM ROTA DE COLISÃO DEFINITIVA OU AINDA RESTARÁ ESPAÇO PARA A RETOMADA DE CONSENSO?
“Todos caminham para um mesmo lugar, todos saem do pó e para o pó voltam” diz o livro do Eclesiastes capítulo 3, 20. Já Carl Sagan disse certa vez que somos todos “poeira das estrelas”. Uma prova de que ciência e religião podem caminhar juntas é o fato de que o primeiro pesquisador “a aventar a hipótese de que o universo teria surgido de uma grande explosão e de uma grande quantidade de matéria concentrada foi um padre. Em 1927, um jovem pesquisador belga que houvera sido ordenado padre quatro anos antes, Georges Henri Joseph Edouard Lamaitre, então com 33 anos, escreveu um artigo que estudava o distanciamento entre as galáxias”. (Citação do livro A dança do Universo de Marcelo Gleiser). Em dias mais atuais, o papa João Paulo II disse na carta encíclica Fé e Razão que “ambas constituem como que as duas asas pelas quais o espírito humano se eleva para a contemplação da verdade. Foi Deus quem colocou no coração do homem o desejo de conhecer a verdade em última análise”. O cientista Stephen Hawking finaliza seu livro Uma Nova História do Tempo dizendo que, “se realmente descobrirmos uma teoria completa... todos nós, filósofos, cientistas, seremos capazes de participar da discussão de por quê é que nós e o Universo existimos. Se encontrarmos uma resposta para esta pergunta seria o triunfo último da razão humana – porque, então, conheceríamos a mente de Deus”. Marcelo Gleiser diz que “ciência e religião podem caminhar juntas desde que cada uma saiba o seu lugar. Os conflitos surgem quando uma quer invadir o território da outra, fazendo proclamações absurdas”.

CADA RELIGIÃO TEM A SUA EXPLICAÇÃO PRÓPRIA PARA A FORMAÇÃO DO UNIVERSO, SEJA A TEORIA DE QUE DEUS FEZ O MUNDO EM SEIS DIAS, COMO DIZ A TRADIÇÃO JUDAICO-CRISTÃ, SEJAM AS FASES CÍCLICAS UNIVERSAIS DE ALGUMAS RELIGIÕES ORIENTAIS.
A religião sempre foi refúgio e certeza para muitas almas angustiadas com questões existenciais. Um conforto que nunca foi suficiente para os cientistas que fazem a linha São Tomé, o ver para crer. O embate ciência X religião é antigo e por vezes tomou ares de tragédia grega como no caso do cientista católico Galileu Galilei. Quem não conhece a história do cientista que disse que o Sol, e não a Terra, era o centro do universo e depois foi obrigado a desmentir porque a Igreja da qual ele era fiel, não aceitava essa teoria? Galileu certamente foi o maior expoente de todos os tempos dessa rivalidade, mas não o único. Copérnico sofreu conseqüências ainda mais drásticas por suas descobertas, sendo queimado em praça pública. Há poucos anos o Papa João Paulo II pediu desculpas oficiais por estes e outros erros da Igreja. Em abril de 2007 o Papa Bento XVI atiçou novamente a discussão quando, depois de elogiar os progressos científicos, questionou a teoria da evolução de Darwin.
Em fevereiro deste ano foi lançado no Brasil o livro A linguagem de Deus, do cientista responsável pelo Projeto Genoma, Francis Collins. Nele Collins tenta provar que ciência e religião podem sim ser complementares e conta como deixou de ser ateu: “Havia começado essa jornada de exploração intelectual porque queria confirmar a minha posição como ateu. Isso se converteu em ruínas à medida que a argumentação da Lei Moral (e muitos outros assuntos) obrigou-me a admitir a aceitação da hipótese de Deus. O agnosticismo (termo concebido por TH Huxley, um cientista do século XIX, para indicar alguém que simplesmente não sabe se Deus existe ou não), que parecia um seguro paraíso de segunda, agora me ameaçava como a grande desculpa que em geral é. A fé em Deus parecia mais racional do que a dúvida.” Ele ainda cita a obra de Annie Dillard que discorre sobre o vazio crescente inerente ao coração e à mente humana que o mundo moderno tenta preencher: “O que estivemos fazendo em todos esses séculos senão tentando chamar Deus de volta... Qual a diferença entre uma catedral e um laboratório de física? Ambos não estão dizendo “olá”?”.
Em uma entrevista, Collins ressalta que algumas vezes os cientistas fazem ataques sem propósito a fé das pessoas e levanta outra questão, quando diz que no meio da ciência há muita fé em teorias anteriores. Marcelo Gleiser discorda e diz que “não é preciso ter fé em teorias anteriores, pois foram já comprovadas” e que “na ciência, não temos que acreditar nas nossas descobertas. Temos que acreditar na capacidade da razão de continuar a descobrir coisas novas. Mas essa é uma fé muito diferente da fé que prega que existem causas sobrenaturais no mundo”.
O fato é que em meio a tanta polêmica, até uma igreja que une ciência e religião já foi fundada. É a Igreja da Cientologia, que nasceu nos EUA e ficou conhecida em função das celebridades que a freqüentam, como o ator John Travolta. Apesar do envolvimento em escândalos financeiros na maioria dos países onde está, tal instutuição se autoproclama uma síntese entre os fundamentos da ciência e da religião.
Outro movimento polêmico é o Design Inteligente, que partindo do princípio da existência de um design na natureza, supõe que exista um designer responsável. Essa inteligência superior pode ser algo desconhecido do ser humano, seres alienígenas por exemplo, mas o modelo de Deus judaico-cristão é uma preferência.
O jornalista e mestre em Ciências da Comunicação, Francisco Bicudo, afirma em entrevista a Luomo que mesmo que possamos entender plenamente a formação do universo resta a questão “de onde é que apareceu esse Big Bang, como é que as partículas foram se concentrado e em algum momento explodiram? Quem é que gerou tudo aquilo e por quê?”. O próprio físico Stephen Hawking, no seu livro, deixa uma lacuna para esta pergunta quando diz “questões como quem armou as condições para o Big Bang não são questões abordadas pela ciência”.
Ao longo da reportagem notamos que alguns ateus admitem a possibilidade de uma força primordial criadora, mas evitam criar vínculos com dogmas religiosos, como o uso de preservativos ou a discussão sobre o aborto.
Entre os politizados, como o escritor Michael Cunningham, autor de As Horas, já declarou à imprensa que “a noção de que estou certo e, por definição, os outros estão errados, abre porta para o tipo de extremismo que parece de maneira evidente, ser a forma mais perigosa do mundo hoje”.
As evidências nos levam a crer que se o acelerador de partículas suíço provar de onde veio a matéria, mesmo assim não terá saciado todos os anseios humanos. O professor de Ciências da Religião da Puc, o doutor Frank Usarski, especialista em religiões orientais diz que “essa é uma explicação técnica, mas não fala sobre os motivos, sobre uma força criadora além desse momento”. Para o Islã, por exemplo, é algo que não faz sentido, afinal a teoria não responde as razões nem o porquê do universo existir, somente a ação de Deus explica a criação para o islamismo.

NA INTERNET
Para saber também a opinião do público leigo sobre essa discussão, formulamos uma enquete na internet que perguntava o seguinte: "Depois que a ciência responder todas as questões do ser humano, Deus e a religião continuarão necessários?". Classificamos nos assuntos Física e Religiosidade e obtivemos 81 respostas válidas. O resultado foi praticamente unânime, apenas um ou outro participante questionou: "e algum dia foram necessários?". A grande maioria acredita que Deus nunca deixará de ter o seu papel na história da humanidade, como afirma este internauta "Os cientistas estão desvendando tantas coisas, mas ainda não descobriram a cura para muitas doenças. Valorizo muito o trabalho deles, só que acho que deveriam dar mais atenção à coisas mais próximas. Os pensadores que pensem o que quiserem, mas Deus será sempre necessário". Mas o que podemos chamar de o "X" da questão levantado pelos internautas, foi a mortalidade do homem. Um deles disse "por mais que a ciência me forneça informações objetivas sobre a natureza do fenômeno morte, isso não me ajudará em nada a aceitá-la... É aqui que entra a esfera específica da religião".
O físico Marcelo Gleiser nos disse que “mesmo se algum dia tivermos uma teoria aceita que explique a origem do universo, e isso é de fato possível, não teremos eliminado a necessidade que as pessoas, ao menos muitas delas, têm de acreditar em algo superior a nós. São duas coisas muito diferentes, a explicação científica do mundo e a necessidade da fé. A ciência não deve ter como objetivo roubar Deus das pessoas. O big bang pode ser resultado de flutuações de energia sem a necessidade de um criador. A raiz da religião não está na dificuldade de entendermos a origem do universo. Ela está na dificuldade que temos de aceitar nossa mortalidade”.
Mesmo que a ciência responda perfeitamente de onde e como viemos, fica a impressão de que ela somente terá eliminado a necessidade que as pessoas têm de Deus, quando responder a última das nossas mais pertinentes questões que é: Para onde iremos?

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